Omikron: The Nomad Soul

Omikron, ou "aquele jogo do David Bowie". Foi lançado para Dreamcast e PC. Recomendo a versão de PC, que está no Steam, GOG.com e na loja da Square Enix.

Em uma época pré-GTA 3, Omikron tenta muitas coisas, mas falha na maioria delas. Vamos lá. O jogo é um adventure futurista, que se passa em uma cidade dentro de um mundo virtual chamado Omikron. O mote do jogo é que você, o jogador, pode reencarnar em diferentes corpos, cada um pertencente a um cidadão desse mundo virtual. Você começa encarnado no policial Kay'l 669, que logo de início é atacado por uma espécie de demônio sugador de almas. Kay'l pede que você o ajude a desvendar o mistério da morte de seu parceiro, e a resolver uma conspiração que está prestes a desestabilizar o mundo de Omikron. Logo na abertura do jogo, você já pode ouvir uma das contribuições de David Bowie para este mundo. Enquanto toca a música de introdução, a câmera viaja por toda a cidade, mostrando desde as ruas mais movimentadas aos becos mais imundos. Ao terminar a introdução, você recebe instruções de como se mover pela cidade, como consultar informações sobre o mundo e como interagir com as pessoas. Aquele tutorial básico de todo jogo. Tudo parece meio estranho de início, já que é muita coisa para aprender de uma vez só. Mas o jogo em si é bem simples, diria que mesmo para a época já era de certa forma simples demais. Logo de cara, você vê que mover-se à pé demora demais, então precisa chamar os sliders (carros deste mundo) para que te levem ao destino. Embora você possa dirigir você mesmo os sliders, é mais fácil você deixar no modo automático, que te leva até o destino automaticamente. Mesmo no modo manual, você vai perceber que você não tem realmente tanto controle assim do carro. Você só pode se mover "dentro" da rua, e dentro de raias invisíveis. Na época já existia o jogo Driver, então acho que ninguém ficou maravilhado com isso.

Depois de toda a enrolação típica dos tutoriais, o jogo te empurra até o apartamento de Kay'l, e aí você conhece sobre a vida dele. O jogo deixa claro que as outras pessoas não sabem da troca de corpos, então você fica no papel de um cara com falsa amnésia até que descubra mais informações. Depois de encontrar a namorada de Kay'l e ter uma cena romântica, você começa a aventura em si.

Bom, aí é a minha primeira reclamação do jogo. É a típica "síndrome da primeira fase", que é quando o jogo te mostra uma porrada de coisas que te deixam interessado, mostra tudo que o console pode fazer, te deixa na pilha mesmo para o que vem por aí. Mas nada vem por aí. Aquela empolgação toda fica só na primeira fase. Um exemplo bem óbvio é o Megaman X de SNES, que te mostra tudo que o SNES é capaz logo na primeira fase, com pontes caindo, helicópteros-abelha que soltam robôs bípedes, uma perseguição de carro, e... o resto do jogo é só um Megaman normal. O mesmo acontece com Omikron. Interessante é notar que este jogo teve uma demo, e esta primeira meia hora era justamente o que vinha na demo, sem tirar nem por. Então. O resto do jogo não tem nada de mais. Aliás, eu diria até que o jogo vai ficando mais e mais pobre enquanto você avança. O jogo inteiro se passa em 4 distritos da cidade, e cada distrito tem uma ambientação bem diferente. Mas ainda assim, nenhum dos outros 3 distritos se compara ao primeiro. Parece que colocaram tudo que podiam, toda a inspiração da equipe de desenvolvimento, ali no distrito inicial. O resto foi feito só com o que sobrou.

Voltando ao jogo em si. Embora ele seja principalmente um adventure, ele mescla vários estilos, como um jogo de tiro em primeira pessoa (FPS), e até um jogo de luta! Isso aqui é uma certa complicação desnecessária, ainda mais com quem joga na versão PC, pois cada um desses estilos possui uma configuração de controle diferente. Se você for customizar os controles, precisa customizar todos eles. Há controles para a parte de adventure, controles de FPS, controles de luta e até controles para nadar. Aqui eu sinto que tentaram muita coisa, mas não conseguiram fazer nada direito. É como um celular com 20 funções, mas não consegue fazer nenhuma delas direito. Os controles de FPS são muito escorregadios e os inimigos aparecem do nada atrás de você. Embora não haja tantas partes de FPS assim, elas ainda são chatas.

Vou fazer uma breve divagação à parte sobre os controles de luta. Essa parte é péssima, e o pior é que há várias lutas no jogo, em pontos-chave. A versão de batalha aleatória de Omikron também tem essas lutas. O controle é uma mistura de Tekken com aqueles jogos de luta 3D do PSX. E não consegue ser tão bom quanto eles. Há quatro ataques: soco fraco, soco forte, chute fraco e chute forte. Você pode fazer combos ao misturar os ataques, dependendo do nível do seu personagem, só que aí mora o maior problema: o inimigo também pode fazê-los. E a inteligência artificial do inimigo é muito "fresca". Uma hora o inimigo vai deixar você bater nele até vencê-lo, outra hora ele já começa com um combo de 5 hits finalizando com um Shoryuken, e vai te combar até você chorar. Não há lógica. E nem são inimigos diferentes - isso acontece no mesmo inimigo. Se você repetir a mesma luta várias vezes, vai notar quando a inteligência artificial já começa "arisca". O inimigo vai correr pra cima com tudo e começar logo combando. Vai defender todos os golpes, e aí você se dana. Mas há um truque para passar dessas partes: os inimigos não sabem se defender direito logo após se levantar. O que você tem que fazer é dar um jeito de derrubá-lo, então chegar perto e usar direto a sequência baixo + chute forte repetidamente. Dependendo do nível do seu personagem, ele vai dar uma rasteira e um chute que derruba o inimigo de novo. Você pode repetir isso sem muitos problemas. Tirando isso, você aprende combos ao ler os "folhetos eletrônicos" espalhados pelo mundo, ou simplesmente testando. Note que os combos também dependem do seu nível atual, que pode ser aumentado de diversas formas: ou lutando durante a história, ou treinando no apartamento do seu personagem.

Note que eu disse "o seu nível atual". Aqui é a parte mais interessante de Omikron. Eu disse lá no início que você pode reencarnar em outros corpos. Mas isso só depois de progredir na história o suficiente. Você pode reencarnar de duas formas: usando uma magia de reencarnação, ou morrendo. Sim, morrendo. Provavelmente a maioria das pessoas vai reencarnar ao enfrentar o primeiro chefe, pois não está acostumado com os controles de luta. O que acontece é que no mundo de Omikron, você, o jogador, reencarna automaticamente no corpo da primeira pessoa que te viu ou tocou após o seu corpo atual morrer. A única exceção é se quem te matou foi um demônio, e não há mais ninguém por perto. Nesse caso, é game over. Caso você morra no primeiro chefe, um ladrão vai entrar no seu apartamento, ver você morrer, e agora você joga com esse ladrão. É um sistema interessante. Aliás, falando em magias: embora este seja um jogo "futurista", há magias nele, embora os efeitos delas sejam apenas na parte de adventure, não nas batalhas. Você começa sem nenhuma magia, e provavelmente a de reencarnação é a primeira que vai receber. Mas para fazer as suas próprias magias, você precisa fazer várias coisas antes, simplesmente progredindo no jogo. É chato, mas fazer o quê. Ao ganhar a magia de reencarnação, você pode trocar de corpos com outros personagens, contanto que tenha mana. Porém, você não pode trocar de corpo com qualquer passante na rua. Há personagens específicos com os quais você troca. Eles são fáceis de distinguir. Geralmente possuem um modelo diferente dos demais, e estão em uma pose diferente: encostado na parede, sentado no chão, e por aí vai. Só para ter certeza, se você interagir com esses personagens, o seu personagem atual vai confirmar que pode trocar de corpo com ele ou ela, além de fazer um comentário sobre o corpo. Geralmente ele comenta que o corpo parece ser forte, que é bonito (se for mulher), que é rápido, e por aí vai. Na verdade, embora você consiga ir bem longe com o personagem inicial, Kay'l, fatalmente ele irá morrer, e você é obrigado a trocar. Não contei exatamente quantas vezes, mas você é obrigado a trocar de corpo umas 4 vezes ou mais, ou simplesmente não tem como progredir no jogo. Se você for com o Kay'l o máximo que conseguir, por exemplo, você troca de corpo com uma médica que tocou no corpo do Kay'l no necrotério. Ao trocar de corpo, as suas estatísticas não se mantêm: se você era um mestre de combate no corpo anterior, pode ser que pegue um iniciante no corpo atual. A única coisa que passa de um corpo para o outro é o seu inventário, que fica no seu computador de pulso... bem conveniente. Uma última coisa é que cada personagem jogável possui uma casa. Ao trocar de corpo, você vai receber um ou dois itens que aquele personagem já estava carregando, e um deles geralmente é a chave do apartamento dele ou dela. Veja, embora você tenha o apartamento do Kay'l no começo, ao começar a trocar de corpos, se você tentar ir em prédios onde você não mora, você terá que enfrentar alguém transformado em demônio. É uma espécie de batalha aleatória, que é melhor ser evitada.

Eu não revelei muita coisa da história, mas também não é lá muito interessante. É uma mistura de conspiração, corporações, magia e demônios. A mistura não funciona tão bem assim, assim como a mistura de sistemas de jogo. Para quem gosta da ambientação cyberpunk, pode ver algo interessante na história, mas isso você consegue lendo um wiki. No jogo mesmo você mal vê isso. Acho que o único lugar que mostra realmente isso é uma biblioteca, onde há uma sala específica de onde você não pode tirar livros, pois esses livros são proibidos para a população. Mas fica por aí. A ambientação não muda quase nada no jogo.

Uma última coisa da jogabilidade é o conceito de salvar. Você salva ao utilizar anéis que acha durante o jogo. Isso é um resquício de uma época passada, onde os saves eram limitados. Quem não lembra de Tomb Raider III no PSX, com seus cristais de save? Mas aqui no Omikron, mesmo na versão de PC, você precisa desses anéis para salvar o jogo. Gastou todos? Vai procurar mais. Os anéis também funcionam como "vidas", caso você morra durante as partes de FPS (você não reencarna se morrer nas partes de FPS). Uma reclamação aqui é que no começo do jogo você mal vê esses anéis, mesmo procurando muito. Enquanto da metade pra frente, o jogo simplesmente te inunda de anéis de save. Devo ter terminado com mais de 30.

Se você leu até aqui e quer saber o que diabos o David Bowie faz no jogo: ele tem duas participações. Primeiro, ele é o personagem Boz, que é uma espécie de avatar virtual que só existe na internet do jogo, chamada Multiplan. Segundo, existe uma banda no jogo chamada The Dreamers, e o Bowie é o vocalista. Primeiro você tem que achar folhetos espalhados nos cenários para saber onde a banda vai tocar. Ao ir no local marcado, eles começam a tocar uma música específica. Existem quatro shows, em quatro lugares diferentes. As músicas são todas exclusivas do jogo, diga-se de passagem.

Fechando, digo que este é mais um jogo bem experimental do David Cage, e que tentou muita coisa em uma época em que a tecnologia não permitia tanto assim. Embora a parte de adventure seja passável, o resto é medíocre ou péssimo. Dizem que ele colocou todas as "luzinhas" no demo para captar dinheiro e terminar o jogo, mas vai lá saber o que é verdade. Só se percebe que realmente o começo tem muito mais esmero contido ali do que o resto do jogo. O chefe final é um pavor - recomendo que diminua a dificuldade da parte de FPS, pelo menos nessa luta. Sim, você pode mudar a dificuldade dos diversos sistemas separadamente. O jogo ainda tem diversos bugs que vão desde portas fecharem a você morrer do nada. O que eu recomendo? Joga, cai fora ou vê no youtube? Veja no youtube. Se o jogo fosse só a parte de adventure, seria bem interessante. Mas essas partes de FPS e luta? É... não vale a pena.

Publicado em 04/02/2019.